COVID-19: As mudanças trazidas pela Lei 14.010/2020- Lei da Pandemia

Categoria: Legislação
COVID-19: As mudanças trazidas pela Lei 14.010/2020- Lei da Pandemia


Entrou em vigor a lei nº 14.010/2020, que traz mudanças em diversas áreas, todas de caráter provisório e emergencial, dado o momento atual de enfrentamento à pandemia do Covid-19. A Lei 14.010/2020, intitulada por muitos como Lei da Pandemia, que dispõe sobre regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), foi publicada no dia 12 de junho de 2020 com uma quantidade significativa de vetos.

O objetivo dessa legislação é “instituir normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em virtude da pandemia do coronavírus (Covid-19)”, e considera 20 de Março de 2020 como termo inicial dos eventos derivados da pandemia.

O texto normativo traz a previsão do impedimento e suspensão dos prazos prescricionais, conforme cada caso, até 30 de outubro de 2020, porém no mesmo artigo há o parágrafo primeiro que prevê tal previsão não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais dispostas no ordenamento jurídico nacional.

A seguir elencamos algumas das principais alterações transitórias trazidas pela RJET:

 

A)   ASSEMBLEIA GERAL E ASSOCIAÇÕES

 

A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil (associações), até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica, autorizando ainda a manifestação dos participantes por meio eletrônico desde que assegurada a identificação e a segurança do voto.

 

Art 5° A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.

Parágrafo único. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.

 

Ou seja, as Pessoas Jurídicas que se valem de ajuntamentos presenciais para deliberações de suas pautas, podem regularizar os seus mandatos e outras avenças, por meio de assembleias virtuais, mesmo sem previsão estatutária para isso.

 

B)    CONTRATOS E CONSUMIDOR

 

Com relação aos contratos, o projeto de lei trazia muitas alterações, que foram vetadas, permanecendo apenas a previsão de que fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos.

O art. 49, que trata do direito de arrependimento do consumidor, que teria então o prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço para desistir da operação realizada.

 

C)   PRORROGAÇÃO DO MANDATO DOS SÍNDICOS

 

Os síndicos, salvo disposição contrária na convenção, têm mandato de 2 anos, renováveis por igual período (art. 1.347, CC).

Expirado o prazo do mandato sem que nova assembleia seja feita para nomeação de outro síndico ou para a recondução do atual, a doutrina majoritária admite que haja uma prorrogação tácita. Entretanto, na prática, isso se torna pouco operacional, pois, por exemplo, as instituições financeiras costumam bloquear o acesso do síndico à conta bancária do condomínio após o fim do prazo do mandato.

Nesse período de coronavírus, o síndico deverá convocar assembleia virtual para deliberar sobre a nomeação de novo síndico se o prazo do seu mandato estiver para expirar. Caso tal não seja viável, o art. 12, parágrafo único, da Lei do RJET admite a prorrogação automática do mandato para 30 de outubro de 2020. Entende-se que, para efeito de comprovação perante terceiros (como os bancos), basta declaração do síndico de que não foi viável realizar a assembleia virtual antes da expiração do prazo do mandato.

O art. 13 da Lei do RJET incorreu em redundância, talvez pelo receio de abusos que possam ser cometidos por síndicos em virtude da excepcionalidade do período pandêmico.

Já é dever do síndico prestar à assembleia contas regularmente de seus atos de modo anual e sempre que for exigido (art. 1.348, VIII).

Se não for viável a realização da assembleia, nem mesmo a virtual, o síndico deverá, logo que possível, convocar a assembleia para prestar contas.

A punição pela falta da prestação de contas é a sua destituição, seja por força do art. 13 da Lei do RJET, seja porque o art. 1.349 do CC já previa essa destituição.

 

D)   AÇÃO DE DESPEJO

 

O Projeto de Lei nº 1.179/20, proíbe decisões de despejo liminares até 30 de outubro. A proibição só valerá para ações ajuizadas a partir de 20 de março, quando foi decretado estado de calamidade pública no Brasil.

 

D) IMPACTO NO DIREITO DAS COISAS

 

Sobre USUCAPIÃO, temos o seguinte:

 

Art. 10. Suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da vigência desta Lei até 30 de outubro de 2020.

 

E não poderia ser diferente. Desse modo, entre a data de vigência da Lei do RJET e 30 de outubro de 2020, fica congelada a fluência tanto dos prazos de prescrição e de decadência quanto dos de usucapião.

Isso significa, por exemplo, que, se o sujeito exercia posse mansa e contínua, com justo título e boa-fé (usucapião ordinária - ar. 1.242, CC), há 8 anos, tendo em vista a superveniência da pandemia, o prazo de prescrição aquisitiva ficará suspenso, dentro da “janela” da vigência da nova Lei até 30 de outubro de 2020. Com o advento do termo final, o prazo voltará a correr, devendo ser computado o lapso já transcorrido.

Como isso, o proprietário contra o qual corre o prazo estará favorecido, em virtude da paralisação do decurso de prazo do possuidor.

 

E) IMPACTO NO DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES

 

No âmbito procedimental do Direito de Família e das Sucessões, a Lei do RJET fez dois destaques: na prisão civil e no aspecto atinente ao prazo de inventário e de partilha].

 

Sobre a Prisão Civil do Devedor de Alimentos, temos o seguinte:

 

Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

 

O descumprimento voluntário e inescusável da obrigação legal de pagamento de alimentos enseja a prisão civil do devedor.

Trata-se da única forma de prisão civil admitida em nosso sistema (art. 5º, LXVII, CF) e de grande utilidade prática e social.

Registre-se, de plano, que somente o descumprimento dessa modalidade de alimentos autoriza a medida extrema, não sendo aplicável a alimentos voluntários ou indenizatórios (derivados do Direito Obrigacional).

Nesse contexto, antes mesmo do CPC/15, a Súmula 309 da Súmula STJ, no sentido de que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.

E, de acordo com o § 3º do art. 528 do CPC/15, se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.

Ora, conforme a nova norma da Lei do RJET, enquanto vigente o regime jurídico emergencial, o cumprimento da prisão civil dar-se-á exclusivamente por meio da custódia domiciliar.

A previsão legal justifica-se, diante do perigo de contágio do coronavírus, na perspectiva do princípio maior da dignidade da pessoa humana, sem que haja prejuízo à exigibilidade da obrigação inadimplida.

 

PRAZO PARA A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO DE INVENTÁRIO E PARTILHA.

 

Art. 16. O prazo do art. 611 do Código de Processo Civil para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020 terá seu termo inicial dilatado para 30 de outubro de 2020.

Parágrafo único. O prazo de 12 meses do art. 611 do Código de Processo Civil, para que seja ultimado o processo de inventário e de partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da vigência desta Lei até 30 de outubro de 2020.

 

Para a adequada compreensão do dispositivo, é necessário passarmos em revista o art. 611 do CPC:

 

Art. 611. O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte.

 

Por abertura da sucessão entenda-se a morte do autor da herança.

Nesse diapasão, caso a morte haja ocorrido a partir de 1º de fevereiro de 2020, o termo inicial do prazo de dois meses previsto no referido art. 611 será postergado para 30 de outubro de 2020.

E a norma vai além, ao estabelecer que o prazo de 12 meses para se ultimar o inventário, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da vigência da Lei que instituiu o Regime Emergencial até 30 de outubro de 2020.

Exemplo: a abertura do inventário foi requerida em 20 de novembro de 2019. Segundo a redação do CPC, o prazo ultimar-se-ia em 20 de novembro de 2020. Com o advento da Lei do RJET, opera-se a suspensão do curso do prazo, que somente voltará a correr após 30 de outubro de 2020, abatendo-se o período já decorrido.

Tal previsão se justifica pela provável dificuldade, diante do cenário turbulento causado pela pandemia, para o levantamento de dados, juntada de documentos e formalização do pedido judicial ou extrajudicial mormente levando em consideração a elevada quantidade de informações que deve ser fornecida por ocasião da prestação das primeiras declarações ou para realização do inventário pela via extrajudicial.

Por fim, como orientação jurídica, a sugestão é que se faça uma análise criteriosa e individual para cada caso da Lei nº 14.010/2020, visto que mesmo com a aprovação do projeto de lei, ainda haverá ressalvas no dia a dia e caso a caso.

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