A | Introdução
O recente julgamento do TRT da 15ª Região trouxe à tona um ponto de atenção para instituições religiosas. A Igreja Mundial do Poder de Deus foi condenada a reconhecer o vínculo de emprego com a esposa de um pastor que atuou como missionária por cinco anos sem registro formal. A decisão envolveu ainda o pagamento de verbas trabalhistas e indenização por danos morais de R$ 15 mil.
O caso expõe falhas de gestão administrativa e a necessidade de adequação estatutária para evitar que funções espirituais sejam confundidas com atividades empregatícias.
B | O que a legislação prevê
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que ministros de confissão religiosa — como pastores, padres, missionários e diáconos — não possuem vínculo empregatício com a instituição religiosa quando atuam estritamente em funções espirituais. Essa previsão está no artigo 442-B da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista):
“Não existe vínculo empregatício entre entidades religiosas e ministros de confissão religiosa, nem entre estas e os membros de instituto de vida consagrada, congregação ou ordem religiosa.”
No entanto, quando a instituição não adota mecanismos claros para diferenciar funções espirituais de funções administrativas, abre-se margem para interpretações que reconheçam vínculo empregatício, especialmente se presentes os elementos clássicos da relação de emprego:
· Pessoalidade;
· Subordinação;
· Habitualidade;
· Onerosidade.
C | Por que a igreja foi condenada
No caso concreto (Processo nº 0010260-33.2021.5.15.0043 – TRT-15), o Tribunal constatou que a missionária:
· Cumpria jornadas extensas (das 7h às 21h30, de domingo a sexta-feira);
· Executava diversas funções administrativas, como organização contábil, gestão de doações e preparo de refeições;
· Recebia remuneração indireta (depósitos feitos na conta do marido, pastor da igreja);
· Foi transferida compulsoriamente durante gestação de risco, o que causou dano à saúde e ao bebê.
A relatora, desembargadora Adriene Sidnei de Moura David, destacou que a instituição falhou ao não formalizar corretamente a atuação da missionária como função espiritual, e a tratou, na prática, como funcionária administrativa, o que justifica a condenação.
D | Onde a igreja errou
O problema não foi remunerar a missionária, mas não estruturar juridicamente essa remuneração:
· Não havia cláusula estatutária clara que definisse a atuação da missionária como integrante de diretoria pastoral;
· Não foram estabelecidos regimentos internos detalhando limites entre funções espirituais e administrativas;
· Houve ausência de compliance e gestão documental, deixando a instituição vulnerável a ações trabalhistas.
E | Como evitar riscos semelhantes
Para prevenir decisões semelhantes, recomenda-se que igrejas:
1. Atualizem seus estatutos
o Prever cargos ministeriais, seus limites e atribuições.
o Inserir regras claras para remuneração de ministros, seguindo a natureza espiritual da função.
2. Elaborem regimentos internos
o Definir responsabilidades, especialmente quando há funções híbridas (espiritual + administrativa).
3. Formalizem pagamentos
o Evitar depósitos indiretos e documentar adequadamente os repasses.
4. Treinem lideranças
o Pastores e gestores precisam entender as implicações legais de cada função.
F | Conclusão
O caso da Igreja Mundial do Poder de Deus evidencia que a omissão administrativa pode custar caro. Embora a lei preveja a inexistência de vínculo empregatício para ministros religiosos, a falta de gestão clara entre atividades espirituais e administrativas abre espaço para condenações trabalhistas.
Uma estrutura jurídica adequada, com estatuto atualizado, regimento interno bem definido e documentação clara, protege a igreja, os líderes e os próprios membros.
Se sua instituição precisa de orientação para adequar seus documentos e evitar riscos trabalhistas, entre em contato com nossa equipe especializada em Direito Eclesiástico.
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