A | Introdução
As doações feitas a instituições religiosas são, em regra, atos voluntários de fé, regidas pela liberdade de culto e pelo princípio constitucional da liberdade religiosa. No entanto, quando há abuso emocional, coação espiritual ou vulnerabilidade do doador, esses atos podem ser contestados judicialmente.
Em tempos de maior fiscalização sobre práticas religiosas e seus reflexos jurídicos, diversos tribunais brasileiros têm se debruçado sobre o tema: uma doação feita à igreja pode ser anulada? A resposta tem sido sim, desde que demonstrado vício de vontade ou desequilíbrio na relação entre igreja e fiel.
B | A proteção legal ao doador
O Código Civil, nos artigos 138 a 151, trata dos vícios do negócio jurídico, como erro, dolo e coação. Esses dispositivos servem como base para reconhecer a nulidade de doações realizadas sob pressão psicológica ou abuso de poder religioso.
Doações feitas com base em promessas de cura, salvação, prosperidade ou sob ameaças espirituais podem ser consideradas inexigíveis ou passíveis de devolução judicial, conforme a jurisprudência recente.
C | Casos julgados e precedentes relevantes
A seguir, alguns julgados e emblemáticos sobre o tema:
1. TJSP – Processo nº 1002085-29.2022.8.26.0016
Neste caso, a Justiça determinou que uma igreja evangélica devolvesse cerca de R$ 23 mil doados por uma idosa que alegou ter sido induzida a doar todo seu patrimônio com base em promessas espirituais.
2. TJMG – Apelação Cível nº 1.0024.13.308296-4/001
O Tribunal entendeu que "a fé não pode justificar a anulação da vontade livre e consciente do doador", mas, quando há desequilíbrio ou coação, a doação pode ser revista judicialmente.
3. TJSP – Processo nº 1034245-26.2023.8.26.0002
Diferentemente dos demais, neste caso, o juiz negou a devolução, afirmando que a oferta foi espontânea, sem comprovação de indução ou coação.
D | E se não houver coação? Ainda assim a igreja precisa devolver?
Nem sempre. Os tribunais têm reconhecido que, na ausência de coação, vício de consentimento ou irregularidade formal, a doação é válida e não pode ser automaticamente revogada.
Um exemplo é o REsp 1.371.842/SP do Superior Tribunal de Justiça, no qual se firmou entendimento de que as doações religiosas feitas por convicção espiritual não são consideradas típicas, e por isso não se submetem à mesma lógica de revogabilidade unilateral prevista no Código Civil.
E | Conclusão
A jurisprudência atual caminha no sentido de proteger a liberdade religiosa, mas sem tolerar abusos de fé ou chantagens espirituais. A doação precisa ser um ato livre, voluntário e consciente, não um instrumento de coação ou obtenção indevida de recursos.
Para as igrejas, a lição é clara: promover transparência, orientação pastoral adequada e formalização de doações relevantes. Já para os fiéis, é importante compreender seus direitos civis, mesmo dentro do exercício da fé.
Dúvidas sobre a validade de uma doação? Precisa revisar os termos da sua igreja? Fale com a equipe de Leão & Leão Advogados — especialista em Direito Eclesiástico.
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