A Possibilidade de Penhora dos Dízimos: Limites Legais e Lições para a Gestão Financeira das Igrejas

Categoria: Direito Eclesiástico e Gestão Religiosa
A Possibilidade de Penhora dos Dízimos: Limites Legais e Lições para a Gestão Financeira das Igrejas

A| Introdução

O Poder Judiciário brasileiro tem analisado com cada vez mais frequência ações envolvendo a responsabilização patrimonial de igrejas diante de suas dívidas. Uma das questões que mais geram controvérsias diz respeito à possibilidade de penhora dos valores arrecadados a título de dízimos e ofertas.

Embora muitos entendam que os recursos doados à igreja tenham natureza religiosa e espiritual, a jurisprudência tem reconhecido que, uma vez incorporados ao patrimônio da entidade religiosa, esses valores podem sim ser utilizados para responder por obrigações civis, como dívidas oriundas de contratos e condenações judiciais.

B| A Base Legal para a Penhora do “Faturamento” da Igreja

A legislação brasileira estabelece que os bens de instituições religiosas são impenhoráveis apenas quando se enquadram nas hipóteses legais expressas, como ocorre no artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC). Entretanto, esse mesmo artigo, no inciso X, também prevê a possibilidade de penhora sobre a "percentual do faturamento de empresa, quando não encontrados bens suficientes para garantir a execução" — e é exatamente esse o caminho utilizado pela Justiça para atingir parte da arrecadação das igrejas, desde que sem inviabilizar suas atividades essenciais.

A jurisprudência firmada no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) reforça esse entendimento. No Agravo de Instrumento nº 2109332-04.2019.8.26.0000, a 12ª Câmara de Direito Privado decidiu que os valores recebidos por igrejas a título de doações e dízimos não se enquadram nas hipóteses de impenhorabilidade do art. 833, IV do CPC, por não possuírem natureza alimentar nem se destinarem à subsistência da pessoa física devedor.

Mais recentemente, em maio de 2025, a 3ª Vara de Ubatuba/SP autorizou a penhora de 10% dos valores arrecadados pela Igreja Mundial do Poder de Deus com base na ausência de bens suficientes para saldar uma dívida de mais de R$ 1 milhão. A decisão baseou-se expressamente no artigo 835, inciso X do CPC e citou como precedente o Agravo de Instrumento nº 2046345-87.2023.8.26.0000, da 33ª Câmara de Direito Privado do TJSP.

C| E o Que Diz o Superior Tribunal de Justiça?

A matéria também já foi objeto de análise pelo STJ. No Recurso Especial 692.972/SP, o superior tribunal entendeu que, na ausência de bens, é lícito penhorar parte da receita da entidade religiosa, desde que a medida não inviabilize suas atividades. Assim, as doações recebidas passam a ser tratadas como receita de pessoa jurídica e estão sujeitas à execução.

D| O Que Isso Significa Para as Igrejas?

As decisões apontam para a necessidade urgente de uma gestão financeira responsável, preventiva e transparente por parte das instituições religiosas. Ainda que o patrimônio religioso tenha proteção constitucional no tocante à imunidade tributária (art. 150, VI, “b” da CF/88), isso não isenta a igreja do dever de honrar seus compromissos civis e contratuais.

Quando há desorganização financeira, falta de controle de gastos ou ausência de patrimônio registrado formalmente, a Justiça pode — e tem — recorrido à penhora de arrecadações como forma de satisfazer obrigações pendentes.

É o que ocorreu, por exemplo, no caso noticiado pelo portal JOTA em 2024, no qual a Igreja Assembleia de Deus do Brás firmou um acordo de R$ 360 mil justamente para evitar a penhora de doações feitas por fiéis

E| Boas práticas de governança e compliance eclesiástico

Para evitar medidas tão drásticas, recomenda-se às igrejas:

  • Implementar políticas de compliance e controle financeiro;
  • Formalizar acordos judiciais e extrajudiciais para renegociação de dívidas;
  • Prestar contas de maneira transparente à congregação e à liderança;
  • Manter escrituração contábil regular, mesmo sendo imune ao imposto de renda;
  • Ter assessoria jurídica especializada, especialmente em Direito Eclesiástico.

A boa administração dos recursos ofertados pela comunidade é parte essencial da testemunha cristã e da responsabilidade civil da liderança eclesiástica.

F| Conclusão

A possibilidade de penhora dos dízimos e ofertas arrecadados por igrejas não é apenas uma realidade jurídica, mas um alerta à necessidade de gestão responsável dos recursos doados com fé e sacrifício por seus membros.

Mais do que uma questão legal, trata-se de uma questão ética, administrativa e espiritual. A igreja que deseja crescer de forma sustentável precisa cuidar da sua reputação financeira, evitando litígios e promovendo a confiança da comunidade por meio de uma governança transparente e íntegra.

 

 

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