A| Introdução
A prática de realizar "ofertas missionárias" é comum nas igrejas brasileiras. No entanto, embora a motivação espiritual envolva a fé e a missão, é essencial compreender como esses repasses são vistos pela Receita Federal e qual o tratamento fiscal adequado para evitar penalidades e riscos de autuações por parte do Fisco.
Este artigo visa esclarecer o enquadramento tributário das ofertas feitas a missionários e pastores, distinguindo doações esporádicas de pagamentos rotineiros e suas respectivas implicações fiscais.
B| Conceito de Doação e o Olhar do Fisco
De acordo com o Código Civil (art. 538), doação é o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere bens ou vantagens a outra. No entanto, para que a Receita Federal reconheça uma transferência como doação, ela não pode ter caráter remuneratório nem ser habitual. Se houver habitualidade e contraprestação, há presunção de que se trata de renda tributável, e não de doação.
A Instrução Normativa RFB nº 1.500/2014 dispõe que valores recebidos com habitualidade, mesmo sem vínculo empregatício, podem ser enquadrados como rendimentos sujeitos à tributação pelo Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).
Portanto, pagamentos mensais ou frequentes, feitos por igrejas a missionários, ainda que com a nomenclatura de "oferta", são enquadrados como remuneração pela Receita Federal, e não como doações isentas.
C| Doações Esporádicas: Como se Enquadram
Caso a oferta missionária seja esporádica e não habitual, sem expectativa de continuidade ou de contrapartida, pode-se configurá-la como doação pura, sujeita não ao IR, mas sim ao ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), conforme previsto no art. 155, inciso I, da Constituição Federal e regulamentado pelas legislações estaduais.
O responsável pelo recolhimento do ITCMD varia conforme o estado, mas, geralmente, o contribuinte (quem recebe a doação) deve declarar o valor e pagar o tributo conforme alíquota definida, que pode chegar a até 8%.
D| Oferta Missionária e o Risco de Sonegação
Caso a igreja realize repasses periódicos sob o título de "oferta missionária" e o beneficiário os declare como doações, há risco de autuação por sonegação fiscal.
A regularidade no pagamento, a dependência financeira do missionário, e a ausência de registro formal de trabalho, mas com contraprestação evidente, podem ser interpretadas como tentativa de dissimular remuneração como doação, o que configura infração fiscal.
Além da cobrança de tributo e multas, pode haver implicações penais com base na Lei nº 8.137/1990, que trata dos crimes contra a ordem tributária.
E| O que Diz a Legislação Brasileira
- Constituição Federal (art. 150, VI, “b”): as igrejas são imunes a impostos sobre patrimônio, renda ou serviços relacionados com suas finalidades essenciais, mas essa imunidade não se estende às pessoas físicas beneficiadas por pagamentos da igreja.
- Lei nº 14.647/2023, art. 442, §3º da CLT: estabelece que não há vínculo empregatício entre ministros de confissão religiosa e igrejas, mesmo quando realizam funções administrativas, desde que se mantenha a natureza espiritual da relação.
- IN RFB nº 1.500/2014, art. 4º: determina que rendimentos habituais e sem vínculo empregatício formal devem ser considerados para efeitos de Imposto de Renda.
- Art. 155 da Constituição Federal e legislação estadual: disciplinam a cobrança do ITCMD sobre doações.
F| Recomendações Práticas
Para evitar conflitos com o Fisco e garantir segurança jurídica:
- Formalize repasses como contratos de prestação de serviço, quando aplicável;
- Quando for doação, evite periodicidade e documente a natureza da liberalidade;
- Oriente o missionário a declarar corretamente os valores recebidos em sua declaração anual;
- Caso os valores sejam esporádicos, pague o ITCMD conforme legislação estadual;
- Mantenha escrituração contábil precisa e relatórios que justifiquem a finalidade dos pagamentos.
G| Conclusão
O tratamento tributário das ofertas missionárias exige cuidado e alinhamento com a legislação. Embora a intenção da igreja possa ser espiritual, o Fisco observa os aspectos formais e materiais da relação para definir se se trata de doação isenta ou remuneração tributável.
A correta interpretação jurídica e contábil dessas práticas evita autuações, multas e prejuízos à igreja e ao missionário. Em caso de dúvida, o apoio de um advogado tributarista com experiência em Direito Eclesiástico é essencial para preservar tanto a missão quanto a conformidade legal.
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