Assédio Moral na Relação de Trabalho em Igrejas: Quando a Fé Ultrapassa os Limites da Legalidade

Categoria: Direito Eclesiástico e Direito do Trabalho Aplicado
Assédio Moral na Relação de Trabalho em Igrejas: Quando a Fé Ultrapassa os Limites da Legalidade

A | Introdução

O ambiente religioso deve ser sinônimo de acolhimento, respeito e dignidade. No entanto, nem sempre é isso que acontece na prática. Em março de 2024, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Processo n. 100611-42.2023.5.02.0003, condenou uma igreja evangélica ao pagamento de indenização por assédio moral contra uma funcionária — o motivo: a trabalhadora foi chamada publicamente de “endemoniada” por líderes da igreja durante um culto.

O caso trouxe à tona a necessidade urgente de discutir os limites da autoridade espiritual quando ela se aplica a funcionários regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Igrejas possuem natureza religiosa e filantrópica, mas quando contratam empregados, estão sujeitas às mesmas obrigações legais de qualquer outra instituição empregadora.

B | O Caso Concreto: Humilhação Pública e Ofensa à Dignidade

No processo analisado pelo TRT-2, a funcionária da Igreja Mundial do Poder de Deus afirmou ter sido humilhada diversas vezes por superiores hierárquicos durante os cultos. Em uma dessas ocasiões, foi chamada de "endemoniada" diante da congregação e de outros colegas de trabalho.

A igreja, em sua defesa, negou os fatos, mas a prova testemunhal corroborou as alegações da autora. O tribunal concluiu que houve conduta abusiva, reiterada e vexatória, ferindo os direitos da personalidade e a dignidade da funcionária.

A sentença reconheceu o assédio moral e condenou a igreja ao pagamento de indenização por danos morais, reafirmando que o ambiente de trabalho deve ser protegido contra abusos, inclusive quando o empregador é uma instituição religiosa.

C | O Que Caracteriza Assédio Moral nas Igrejas?

Assédio moral no ambiente de trabalho ocorre quando há condutas humilhantes, ofensivas ou vexatórias de forma repetida e prolongada, afetando a dignidade do trabalhador.

No contexto religioso, esse risco é ampliado quando autoridade espiritual se mistura com poder empregatício, criando situações onde líderes confundem disciplina eclesiástica com abuso de poder sobre funcionários.

Segundo a jurisprudência trabalhista e civil, mesmo que a relação tenha uma base religiosa, se o vínculo for contratual e remunerado, a igreja não está isenta de responsabilidade legal.

D | O Que NÃO Fazer?

Algumas condutas comuns — e equivocadas — devem ser evitadas a todo custo pelas igrejas:

  • Expor publicamente um funcionário durante cultos ou reuniões religiosas;
  • Associar problemas emocionais, cansaço ou desempenho profissional a questões espirituais ou possessão demoníaca;
  • Utilizar “repreensão espiritual” como forma de disciplinar empregados celetistas;
  • Ignorar que funcionários têm direitos trabalhistas, ainda que também sejam membros da igreja;
  • Confundir o púlpito com a gestão administrativa — o púlpito é local de edificação, não de julgamento pessoal;
  • Tratar o silêncio ou a obediência como submissão total, suprimindo a voz do trabalhador que sofre abusos.

Essas práticas violam não apenas a legislação brasileira, mas os próprios princípios bíblicos de amor, respeito e dignidade humana.

E | Como Prevenir Situações de Assédio Moral no Ambiente Religioso?

Para que as igrejas evitem esse tipo de problema jurídico e institucional, algumas boas práticas de gestão e compliance eclesiástico devem ser observadas:

1️. Separação clara entre vínculo espiritual e contratual: pastores, líderes e dirigentes devem compreender que empregados regulares estão sob a proteção da CLT, independentemente da fé que professam.

2️. Treinamento de lideranças: invista em capacitação sobre ética institucional, legislação trabalhista e limites da autoridade religiosa no contexto profissional.

3️. Criação de canais internos de denúncia e ouvidoria: permitir que os colaboradores relatem abusos ou constrangimentos com segurança e sigilo.

4️. Acompanhamento jurídico especializado: contar com assessoria jurídica em Direito Eclesiástico e do Trabalho é essencial para prevenir e resolver litígios.

F | Conclusão

O caso julgado pelo TRT-2 serve como um alerta para todas as instituições religiosas: a fé não pode justificar práticas abusivas, nem a autoridade espiritual pode se sobrepor aos direitos fundamentais garantidos pela legislação brasileira.

Igrejas que contratam funcionários devem agir com responsabilidade, ética e respeito à dignidade de seus colaboradores. O testemunho de uma igreja começa dentro de casa — e isso inclui sua relação com quem trabalha por ela.

Proteja sua igreja com informação e orientação jurídica adequada. Fé e legalidade devem caminhar juntas.

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