A | Introdução
O exercício da autoridade dentro de uma igreja ou associação deve caminhar lado a lado com a responsabilidade jurídica e o respeito à dignidade dos seus membros. Um tema cada vez mais recorrente nos tribunais é o desligamento de líderes religiosos sem a devida observância do contraditório e da ampla defesa, o que pode gerar indenizações por danos morais e graves consequências à imagem da instituição.
Em recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ), a Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada ao pagamento de danos morais após excluir um pastor sem instaurar qualquer procedimento disciplinar que lhe garantisse o direito de defesa. O tribunal reconheceu que a ausência de rito e de formalidade no desligamento feriu a dignidade do pastor, expondo a igreja a responsabilidade civil.
Diante disso, este artigo apresenta a relevância de prever, no regimento interno das igrejas e associações, um processo disciplinar estruturado, detalhando o rito, os direitos dos membros, e a importância de acompanhamento jurídico em todas as fases.
B | O Que a Legislação Brasileira Exige?
Embora igrejas e associações religiosas tenham autonomia para estabelecer sua governança interna (art. 44, §1º, do Código Civil), tal autonomia não afasta o dever de observar garantias constitucionais como o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88).
Nos casos em que a entidade prevê, em seus estatutos ou regimentos, penalidades como advertência, suspensão ou desligamento, é obrigatório que o procedimento seja formalizado, com:
- Comunicação prévia ao membro;
- Garantia de manifestação da defesa;
- Oitiva de testemunhas;
- Julgamento imparcial;
- Registro e documentação dos atos.
Se não houver cumprimento dessas etapas, o ato de exclusão poderá ser anulado judicialmente e, além disso, gerar indenização por danos morais, mesmo que não exista vínculo empregatício.
C | O Caso Concreto: TJ/RJ Condena Igreja por Exclusão Sumária
No processo de nº 0118031-93.2008.8.19.0001, o TJ/RJ reconheceu que a exclusão de um pastor sem qualquer procedimento interno, apesar de previsão estatutária, violou seus direitos da personalidade. A corte concluiu que a igreja:
- Não instaurou procedimento disciplinar;
- Não notificou o pastor;
- Não comprovou pedido formal de desligamento;
- Não assegurou defesa ou audiência.
Como consequência, a igreja foi condenada ao pagamento de R$ 12.000,00 a título de danos morais, além de sofrer exposição pública negativa. A decisão reforça que o desligamento de um membro da liderança deve respeitar as regras internas da entidade — e, mais importante, os princípios constitucionais.
D | O Que o Regimento Interno Deve Prever?
Um bom regimento interno é a base da governança eclesiástica. Deve prever:
- Classificação das infrações disciplinares (leves, médias e graves);
- Rito processual claro, com prazos para defesa e possibilidade de recurso;
- Formação de comitê disciplinar, com número ímpar de membros e presença de testemunhas;
- Comunicação por meios formais (e-mail, WhatsApp ou carta registrada);
- Audiência de instrução e julgamento com tentativa de conciliação prévia;
- Documentação de todos os atos (inclusive decisão e comunicação ao membro).
Além disso, o regimento pode prever um plano de restauração espiritual para o membro disciplinado, promovendo o equilíbrio entre justiça e misericórdia.
E | Riscos de Não Cumprir: Responsabilidade Civil e Dano à Imagem
Não cumprir o rito previsto nos documentos internos pode representar:
- Responsabilidade civil da instituição;
- Indenizações por danos morais;
- Danos à reputação da igreja;
- Judicialização desnecessária de conflitos internos;
- Descredibilização da liderança perante a comunidade.
O processo disciplinar deve ser conduzido com prudência, sempre com apoio jurídico, pois o que está em jogo não é apenas a disciplina interna, mas a segurança institucional da organização.
F | Conclusão
A previsibilidade, a transparência e o respeito às garantias individuais são pilares que asseguram a boa condução dos processos disciplinares nas igrejas e associações religiosas. O zelo por essas etapas não apenas fortalece a governança eclesiástica, mas também protege a instituição de prejuízos legais e financeiros.
A adoção de um regimento interno bem estruturado, com previsão clara de rito disciplinar, é uma ferramenta de proteção jurídica e integridade institucional. Igrejas não estão imunes à responsabilização civil, mas podem evitá-la com boas práticas e assessoria especializada.
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