Coação nas Doações nas Igrejas: Limites da Liberdade Religiosa e a Proteção ao Fiel

Categoria: Direito Eclesiástico e Terceiro Setor
Coação nas Doações nas Igrejas: Limites da Liberdade Religiosa e a Proteção ao Fiel

A| Introdução

A liberdade religiosa é um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito, estando assegurada pela Constituição Federal no art. 5º, VI. No entanto, esse direito não pode ser utilizado como escudo para práticas abusivas que se aproveitam da fé e da vulnerabilidade emocional de fiéis. Recentemente, uma decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ/PE) trouxe luz a um tema sensível: a coerção nas doações feitas por fiéis em ambientes religiosos.

O caso analisado envolveu um homem que, após vender sua padaria, foi induzido a doar o valor integral — R$ 30 mil — à igreja, influenciado por falas do pastor que relacionavam a entrega do dinheiro à esperança de prosperidade espiritual e financeira.

B| O Caso e a Decisão do Tribunal

O processo de número 0053386-84.2019.8.17.2990 tramitou perante a 5ª Câmara Cível do TJ/PE. O colegiado manteve a condenação da igreja ao pagamento de R$ 30 mil em danos morais. Ficou evidenciado, por meio de áudios e mensagens, que houve uma coerção moral sobre o fiel, explorando sua fragilidade emocional com promessas de bençãos divinas.

O relator do caso destacou que as falas do pastor caracterizaram um "padrão de persuasão insistente", configurando abuso de poder espiritual. Segundo a decisão, a conduta extrapolou os limites da exortação religiosa, tornando-se um mecanismo de controle da vontade alheia e violando o princípio da boa-fé.

C| O que diz a Legislação Brasileira?

Embora a liberdade religiosa seja protegida pela Constituição, o Código Civil prevê limites para os atos jurídicos realizados sob erro, dolo, coação ou estado de perigo (arts. 145 a 151). A coação moral torna o ato passível de anulação.

Ademais, o art. 187 do Código Civil define como ato ilícito aquele que extrapola os limites da boa-fé objetiva e dos bons costumes. Assim, mesmo atos litúrgicos ou religiosos estão sujeitos a análise judicial quando colocam em risco a liberdade e autonomia da vontade do fiel.

D| Cuidados que as Igrejas Devem Ter

Para evitar situações como essa, é fundamental que as igrejas observem boas práticas:

  1. Evite condicionar bençãos a doações financeiras;
  2. Garanta que ofertas e contribuições sejam espontâneas e não resultado de pressão emocional;
  3. Oriente os líderes religiosos sobre os limites legais da pregação sobre "sacrifício financeiro";
  4. Formalize doações expressivas, especialmente quando envolvem valores significativos ou bens patrimoniais;
  5. Procure assessoria jurídica especializada para evitar que práticas pastorais sejam judicializadas.

E| Conclusão

A decisão do TJ/PE marca um importante precedente ao reconhecer que nem tudo pode ser justificado sob o manto da liberdade religiosa. A linha entre exortação e coerção é tênue, e deve ser tratada com muita responsabilidade pelas instituições religiosas.

Doações fazem parte da prática de fé, mas devem ser realizadas de forma livre, consciente e voluntária. Quando isso é deturpado, o que deveria ser um ato de devoção se torna uma violação da dignidade do fiel.

Fé com responsabilidade é fé protegida.

 

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