A transformação de uma igreja, onde se muda o nome e o CNPJ, mantendo o mesmo espaço físico, pertences, e membros, pode parecer uma solução simples para diversos problemas administrativos. No entanto, esse processo pode acarretar sérios riscos legais e financeiros. Neste artigo, exploramos os perigos dessa "mudança de placa" e como proteger sua igreja com a ajuda de uma advocacia especializada.
1. Sucessão no Âmbito Eclesiástico
Primeiramente, é importante entender que as igrejas, embora sejam entidades religiosas e não empresas comerciais, ainda são regidas por normas do direito civil e, em alguns casos, podem se aplicar analogias às regras empresariais. A sucessão empresarial prevista no Código Civil, na CLT e no CTN refere-se primariamente a atividades empresariais. No entanto, muitos dos princípios podem ser aplicados à transferência de responsabilidades de uma igreja matriz para uma filial que se torne independente.
É neste contexto que faremos um breve ensaio para responder a seguinte pergunta: Quero mudar a placa da minha Igreja e tornar-me independente, existe algum risco?
2. Os Perigos da Mudança de Placa
Responsabilidade Solidária
A mudança de nome e CNPJ pode não isentar a nova igreja das responsabilidades e dívidas da antiga. Inúmeras decisões judiciais, que, a título de exemplo, a do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) no Agravo de Instrumento 2151511-79.2021.8.26.0000, envolvendo uma Igreja Evangélica, mostra que a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer, especialmente se houver indícios de fraude ou grupo econômico. A decisão destacou que a igreja atuava por meio de diferentes CNPJs e configurava um grupo econômico, resultando na responsabilidade solidária pelos débitos antigos.
O que isso significa?
Simples, isso demonstra que a nova igreja pode ser responsabilizada por débitos antigos, o que pode colocar em risco a sustentabilidade financeira da nova entidade.
3. Grupo Econômico “Religioso”
Várias são as decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), como nos casos 0010489-91.2019.5.18.0006 e AP 0000305-49.2021.5.09.0041, a configuração de grupo econômico não exige uma hierarquia explícita entre as entidades. Simples relações de coordenação ou uso compartilhado de recursos, mobiliário etc. pode ser suficiente para configurar um grupo econômico “religioso’. No caso AP 0000305-49.2021.5.09.0041, o TRT-9 afirmou que a coordenação entre entidades, mesmo sem hierarquia, pode levar à responsabilidade solidária. Assim, a nova igreja pode ser considerada solidariamente responsável por obrigações trabalhistas e outras dívidas da igreja matriz.
4. Riscos para os Pastores
Os pastores e membros da diretoria, que assumem a liderança da nova igreja que mudou a placa, se não tomarem os devidos cuidados, podem enfrentar riscos pessoais significativos. A jurisprudência demonstra que líderes religiosos podem ser responsabilizados por débitos trabalhistas e tributários, especialmente se houver indícios de gestão fraudulenta ou desconsideração da personalidade jurídica. Nos termos do artigo 50 do Código Civil, pode-se desconsiderar a personalidade jurídica quando há abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Além disso, conforme o artigo 133 do Código Tributário Nacional (CTN), a responsabilidade tributária pode ser transferida ao adquirente de um estabelecimento empresarial.
Da mesma forma, na sucessão de igrejas, quando uma igreja filial se emancipa e adquire um novo CNPJ, a responsabilidade tributária pode recair sobre a nova igreja. Isso acontece especialmente se a igreja matriz deixar de atuar no mesmo ramo ou deixar de existir. Assim, os pastores podem se ver envolvidos em longas batalhas jurídicas, afetando sua reputação e estabilidade financeira, caso não haja uma separação clara e documentada das responsabilidades fiscais entre a matriz e a nova igreja.
5. Implicações Civis, Trabalhista e Tributárias
Sucessão de Responsabilidades:
►Civis: A igreja emancipada e que mudou de placa pode ser responsabilizada por débitos civis anteriores da igreja matriz, se não houver um acordo claro e documentado entre as partes, sempre capitaneado por profissionais que entendam com profundidade sobre o direito eclesiástico.
►Trabalhistas: Empregados poderiam reivindicar seus direitos tanto da nova igreja quanto da antiga. O artigo 448 da CLT estabelece que a mudança na estrutura jurídica de uma entidade não afeta os contratos de trabalho, o que significa que a nova igreja ainda poderá ser responsável pelas obrigações trabalhistas decorrentes do período anterior.
►Tributários: A nova igreja pode ser responsável pelas dívidas tributárias, especialmente se a antiga deixar de atuar ou se dissolver. Além disso, é importante destacar que as igrejas possuem inúmeros benefícios tributários, como imunidades e isenções fiscais garantidas pela Constituição Federal. No entanto, se for caracterizado algum tipo de fraude ou manipulação, esses benefícios podem ser revogados. A confusão de CNPJs, especialmente quando se mistura a igreja com associações sem fins lucrativos (cujo regramento é diferente), pode ser interpretada como tentativa de fraude. Isso pode levar à responsabilização de toda a cadeia, incluindo os pastores e gestores envolvidos. A perda dos benefícios tributários pode resultar em pesadas multas e a exigência de pagamento retroativo de tributos.
►Criminais: pode acarretar diversas responsabilidades e riscos, incluindo implicações criminais, dependendo das circunstâncias e da forma como a transição é realizada. Aqui estão algumas possíveis implicações criminais que podem recair sobre a igreja sucessora: i) Fraude e Sonegação Fiscal: A mudança de CNPJ usada para evadir impostos ou ocultar passivos fiscais pode resultar em acusações de fraude fiscal ou sonegação, conforme artigo 1º da Lei nº 8.137/1990.2. ii) Desvio de Finalidade e Abuso de Personalidade Jurídica: nos termos do artigo 50 do Código Civil, abuso da personalidade jurídica para prejudicar credores ou ocultar ativos pode levar a responsabilização criminal, incluindo lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/1998) e estelionato (artigo 171 do Código Penal).; iii) Lavagem de Dinheiro: A utilização de novos CNPJs para ocultar a origem de recursos financeiros ilícitos pode ser enquadrada como lavagem de dinheiro, conforme a Lei nº 9.613/1998, resultando em graves consequências criminais.
6. Considerações Jurídicas para a Igreja
Para minimizar os riscos:
►Due Diligence: Realizar um levantamento completo de todas as obrigações e passivos da igreja matriz antes da transferência.
►Acordo Detalhado: Firmar um acordo bem detalhado que estabeleça claramente a transferência de responsabilidades e dívidas.
►Registro e Publicidade: Certificar-se de que todos os atos necessários sejam confeccionados, conferidos, assinados, devidamente registrados em cartório e publicados conforme necessário.
7. A Necessidade de Advocacia Especializada
►Planejamento e Assessoria Jurídica
Para minimizar os riscos associados à mudança de placa, é essencial contar com a assessoria de advogados especializados em direito eclesiástico. Eles podem ajudar a realizar uma due diligence completa, levantando todas as obrigações e passivos da igreja matriz, e orientando sobre a melhor forma de documentar e estruturar a transição.
► Acordos e Documentação
Advogados especializados podem auxiliar na formulação de acordos claros e detalhados que estipulem a transferência de responsabilidades e passivos. Esses documentos são cruciais para proteger a nova igreja de possíveis ações judiciais e responsabilidades inesperadas.
► Conformidade Legal
Manter a conformidade com a legislação vigente é essencial para evitar problemas futuros. Advogados especializados podem garantir que todas as etapas da transição sejam realizadas de acordo com a lei, prevenindo e minimizando riscos de desconsideração da personalidade jurídica e outras complicações legais.
8. Conclusão
A transformação de uma igreja, mantendo as mesmas pessoas e bens, mas alterando nome e CNPJ, pode parecer uma solução fácil, mas os riscos são significativos. Responsabilidades solidárias, configuração de grupo econômico e riscos pessoais para os pastores e membros de diretoria são alguns dos perigos envolvidos.
Os problemas podem ser minimizados, mas o alerta de que podem acontecer deve ser dado.
Para garantir uma transição segura e legalmente protegida, é fundamental contar com a assessoria de advogados especializados em direito eclesiástico.
Proteja sua igreja e sua liderança, tome a melhor decisão jurídica.
Gostou do texto? Faça parte das nossas comunidades no Instagram, receba nossos textos via WhatsApp ou por E-mail, para saber de todas as novidades!